11 março 2017

Correio Brasiliense entrevista Markão Aborígine

Como você avalia a saída do hip-hop da periferia. O interesse dos grandes centros? É uma apropriação ou uma forma de valorizar ainda mais a cultura?

Há dois caminhos. Existe, sim, uma apropriação. A gente vê cada vez menos espaços e casas de show nas periferias e uma concentração de recursos de qualidade nos grandes centros. Então, há um movimento de apropriação, só que há, também, o empoderamento dos agentes periféricos. Eles estão se tornando empreendedores, se formalizando e dominando a ferramenta da comunicação. São as músicas mais tocadas em uma era de YouTube. Porém, pela escassez de espaços nas periferias, uma falta de política pública e investimento em rádios comunitárias, esses artistas, dependendo da linha de música, vão sendo esquecidos e excluídos desses grandes centros e oportunidades. A gente precisa se organizar e fazer um combate a essa indústria, que está cada vez mais comercializando (e banalizando) o hip-hop. Se não, a gente vai ser apenas uma música, deixando a questão do ativismo e da militância para trás.

O discurso tem mudado?


Ele tem melhorado. Hoje, na música rap, é mais presente um discurso que questiona machismo, sexismo, misoginia e homofobia. Artistas que se reconhecem como transexuais, gays e lésbicas têm mais visibilidade e são aceitos. Há 20 anos, era um confronto complicado. Além da realidade cruel de violência policial, pobreza e miséria, a gente viu que, enquanto periféricos, reproduzimos outras formas de exclusões, de opressões e de violências, como fazem os poderosos.

Como você vê o futuro do hip-hop, aqui na capital?

Costuma-se falar que, no DF, a gente tem o segundo maior polo do gênero no Brasil. O primeiro seria São Paulo, mas acho que Brasília disputa este posto com o Rio de Janeiro. Estamos tentando quebrar esse eixo, que está em tudo. Se aliarmos essa prática do exercício artístico, em experiências como a escola de formação do hip-hop e esse “boom” de batalhas de MCs, a um ativismo politizado, acho que vamos colher grandes frutos. O que eu vejo para o futuro do hip-hop na capital é luta. A gente só vai conseguir garantir qualquer coisa por meio dela com a nossa organização, enquanto artista e cidadão. Acredito que conseguiremos alicerçar um trabalho que vai conseguir quebrar esse eixo e despertar olhares para outras regiões do país também. Acho que Brasília tem que ser um fio condutor dessa transformação, para que a juventude periférica e negra tenha um espaço na grande mídia.

Como você vê a cena atual do hip-hop?

No Distrito Federal, temos excelentes talentos sendo revelados. Temos o DJ A, que foi campeão mundial recentemente, além de excelentes artistas no grafite e dançarinos de danças urbanas, que estão representando o Brasil em diversos torneios mundiais. Agora, temos uma Secretaria de Cultura que está premiando o hip-hop com um edital específico. Mas ainda é pouco. Há 10 anos, tínhamos mais rádios, programas de tevê, revistas e fanzines, mas fomos perdendo esse espaço e esses mecanismos. Temos batalhas de MCs, inclusive só de mulheres, que é a Batalha das Gurias. Temos a ocupação cultural do movimento em Santa Maria, que tem serigrafia popular, cineclube e aulas de yoga ofertados por um coletivo. Exemplos como esses têm que ser reproduzidos em cada cidade, e a nossa cena vai ser fortalecida quando a gente se articular além das redes sociais. Para fortalecer essa cena e ela continuar sendo nossa, para não sermos engolidos ou pela repressão policial que vai à batalha do Museu, ou por essa industrialização que vai padronizar todos os talentos, a gente precisa se falar mais.

Quais são os seus projetos no momento?


Eu canto rap, tenho CDs e livros lançados. Estou lançando o Hip-hop em mim e circulando com ele. Mas, um projeto que eu acredito e semeio é a editora popular Poesia em Coletivo, que surgiu a partir da distribuição de fanzines e panfletos no metrô e paradas de ônibus. Nessa experiência, percebi que consigo, além de externalizar o meu fazer poético, garantir o acesso à fala ou à publicação a outras pessoas. Em 2014, eu lancei o livro Favela como ninguém viu!, de um jovem escritor da Estrutural chamado Fernando Borges. No ano seguinte, consegui publicar o Mulher quebrada, que é uma coletânea de textos de mulheres periféricas do DF. Fazemos os livros artesanalmente, aí as tiragens são reduzidas. De forma autônoma e voluntária, eu continuo ministrando oficinas em escolas públicas. Integro a Família Hip-Hop, um coletivo de Santa Maria, onde a gente desenvolve uma escola de formação, com estudos que vão do sistema político brasileiro a produção de eventos. Neste ano, vou produzir o festival Brasília Periferia, que é feito a cada dois anos. Ele vai acontecer nos dias 21 e 22 de junho, em Santa Maria, e vai ser tanto festival musical quanto encontro de grafite.

*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira.

MATÉRIA ORIGINAL: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2017/03/02/interna_diversao_arte,577427/rapper-de-samambaia-markao-aborigine-fala-sobre-novo-discurso-do-rap.shtml