29 abril 2014

Colhendo frutos


Colhendo frutos.

Os últimos dias foram tão incríveis que mau tive tempo de partilhar com cada uma e cada um de vocês tais alegrias, momentos daqueles que fechamos os olhos e perguntamos se merecemos, daqueles que ficamos nos perguntando sobre o que está acontecendo.

Esta caminhada iniciou-se no último dia 18 de abril, quando tive a imensa alegria de lançar meu primeiro livro na II Bienal Brasil. Por dois dias representamos ali toda nossa história de luta por meio da Literatura Marginal. Ocupamos espaço, não só preenchemos.

Foram mais que livros vendidos, foi a certeza de vidas tocadas, rebeldias e interrogações despertadas. A presença de um livro com sua capa produzida com materiais recicláveis ou um papelão-lixo naquele espaço foi e ainda é insurgência. Do mesmo modo que é insurgência a presença dos bonés aba reta, das calças largas, tranças raiz e dreds que passaram por lá para consumir poesia.

Minha profunda gratidão a cada amiga e cada amigo que passaram por lá, deixaram seu sorriso, seu abraço e sua alegria, que é tão nossa. Minha profunda gratidão as companheiras do Ponto de Memória da Estrutural, que por meio da Editora Popular Abadia Catadora acreditaram e partilham deste sonho!

Passado alguns dias estava eu, Markão Aborígine ao lado do X Câmbio Negro em uma das salas da Universidade Católica de Brasília, convidados com título de professor, onde naquela noite partilhamos trechos de nossas histórias de vida. Vocês não têm noção quão importante e emocionante foi ouvir o X (eks). Aprendi muito ali, com suas vitórias, com seus desafios, me vi em vários momentos da fala.

Estava mais uma vez ali com a companheirada do Serviço Social, irmãs e irmãos que transpiram utopias, é olhar no olhar de cada uma e cada um para sentir isto. Acredito que eu pude sim, mesmo sem ter realizado o sonho de cursar o Ensino ''Superior'' - se é que há relação de superioridade nos diversos saberes - pude aprender e ensinar.

No dia 25 de abril eu estive mais uma vez na Assistência Social Casa Azul, um trabalho que existe em Samambaia desde de 1989, onde fazem um trabalho belíssimo por meio de um berçário e junto a crianças, adolescentes e jovens. Faz um tempo que ministro palestras e ou oficinas, mas desde o primeiro momento eu vi que aquele dia seria especial, não sei o porque.

Olhares atentos, sorrisos, expressões de preocupação, aplausos, dúvidas. Foi este o ambiente do diálogo que fizemos sobre a violação de nossos direitos, sobre como cotidianamente somos exterminados, sobre a ação do estado e sistema para nos manter estagnados. Refletimos ali sobre tais armadilhas, e como é importante estarmos atentas e atentos, acreditar em si, respeitar e ouvir a família, aproveitar ao máximo a experiencia de professoras e professoras.

Após alguns apertos de mãos, fotos... (respirando fundo) passo a conversar com uma moça linda, linda em seus sonhos e em suas lágrimas. Não irei partilhar os motivos, mas naquele momento eu tive a certeza de quão responsáveis nós devemos ser, nós que utilizamos o poder da palavras, enquanto RAP, nós trabalhamos com sonhos, com sentimentos, devemos ser responsáveis e cúmplices com quem escuta.

Não sei se há alguém lendo até aqui, peço até compreensão por alongar-me tanto, mas não posso omitir tais sentimentos, não posso deixar de partilhar isto, jamais.

Eu sei que não participarei da colheita, mas morrerei sendo semente! É esta utopia que me move. A cada dia, a cada show reitero esta certeza, mas olhando para esta semana tive a certeza que bons frutos eu colhi.

E isto se materializou no último Sarau Samambaia Poética, que comemorava ali os 06 anos de vida e militância do Coletivo ArtSam. Não sabia, mas minhas irmãs e meus irmãos de luta haviam preparado uma homenagem a mim.

Estava eu acostumado a homenagear nosso povo, seja no Prêmio Hip Hop Zumbi, seja nos próprios Saraus, mas agora era eu recebendo um troféu, que pra eu simboliza toda amizade e amor que tenho com cada militante do Coletivo. E fico ali no meio de todos e todas, nervoso, sem saber o que falar, com geral olhando pra mim. Do mesmo jeito que fiquei em 1997, quando a fita K7 que tinha minha base travou e fiquei em cima do palco sem saber o que falar, sem saber o que fazer.

Foi uma semana mágica, foi um mês mágico. Só tenho a agradecer a cada uma e cada um que fez parte disto, dando-lhes a certeza que o #Aborígine está mais fortalecido. Que as luvas não mais estarão no ringue, mas em meus punhos. Em meados de 2013 eu pensei em desistir, mas vocês são motivos e inspirações para eu continuar.

Muito obrigado Coletivo ArtSam e Famíla Hip Hop pela homenagem e respeito, muito obrigado!

Obrigado a minha esposa Rose Elaine Silva por acreditar em mim, por ajudar-me, por aceitar-me. Uma das maiores, senão a maior alegria que eu tenho no Rap é dividir uma letra contigo, que dia 31 de maio está nas ruas através de meu segundo CD 'O Canto dos Mártires'.

Todo amor a meus filhos Marcus Jr. e Carlos Henrique, reais motivos para viver!

Se alguém chegou até aqui, que também seja semente, sendo o melhor para sua família, o melhor para sua cidade, o melhor para seus pais.

#MarkãoAborígine

15 abril 2014

Racismo em caixa alta


AUSTRALIANA em caixa alta.

É assim que toda mídia brasileira vem divulgando o crime de racismo que ocorreu em um salão de beleza em Brasília.

Pelo fato da jovem racista ser estrangeira deu-se tamanha repercussão, isto já sabemos, porém os nossos racismos, o nosso genocídio e a própria ação da mídia, suas novelas e seus programas de comédia que criminalizam e "estereoti-pisam" nossa negritude não é provocada ou refletida.

O fato de termos Jair Bolsonaro, o general da extrema direita brasileira, apoiador da ditadura e racista convicto como forte candidato a Comissão de Direitos Humanos da Camara dos Deputados é apenas uma notícia em letras minúsculas. Tinga é xingado e ofendido em outro país, isto comove, mas Richarlysson é tão agredido quanto aqui em nossa terra e isto não incomoda.

A reflexão é que nós, juventude pobre, periférica, Hip Hop, trabalhadores e trabalhadoras devemos nos encorajar e desafiar isto sempre, assim como as clientes e funcionárias do salão de beleza; Afinal não são apenas brancos ingleses exterminando aborígines na Austrália, são policiais, são ruralistas, são fascistas, são burgueses alimentando diariamente a cultura do ódio e exterminando diariamente nosso povo.

Lá na Austrália, um governo retirou mais de 100 mil crianças dos pais aborígines e os colocou em abrigos ou CAJE/Febem se preferirem. Aqui no Brasil tivemos a Lei do Ventre Livre, onde todas as crianças que nasciam eram ''livres'', tão logo arrancadas dos braços de mães e pais, e levadas para Abrigos ou CAJE/Febem se preferirem, de cada 100, apenas 10 sobreviviam.

Vêm? Infelizmente o ODIO e RACISMO estão em caixa alta em qualquer lugar do mundo, não seria diferente aqui.

Publicado originalmente em 17 de fevereiro (Aqui)