14 junho 2012

O Crack por nós, Markão Aborígine



Entrevista cedida ao Blog DuRap-DF*

Sabe-se que existem usuários de crack de diferentes classes sociais. Mas é certo que a população miserável só pode comprar o crack, devido à vulnerabilidade social dessa classe? Crack, pobreza e população em situação de rua são situações que se misturam e contribuem para o uso da droga? A situação da família é tão agressiva que é um alívio para a criança e o adolescente estar fora de casa?


É interessante, primeiramente, analisarmos o contexto social que produz situação de rua e pobreza. A conjuntura brasileira de violação de direitos, que não oportuniza às famílias o cuidado à saúde mental e/ou acesso à educação e trabalho, alicerçada pela elite, é a principal causadora. Cito isto, pois, atuando com famílias nesta situação identificamos estes aspectos como principais condutores à situação de rua e drogadição.

Ao aprofundarmos o tema vimos que o berço do consumo de crack praticado por uma criança está numa mãe alcoólatra que não teve acompanhamento à sua saúde mental, ou seja, não lhe foi oportunizado o tratamento adequado, pois não há CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) suficientes no país, além do que, o contexto machista e sexista brasileiro fez desta, uma mãe solteira e expulsa de casa pelo pai, sem acesso à Pensão Alimentícia e creche para que possa trabalhar e sair para sustentar sua família.

Nossas crianças ficam sozinhas em casa, assim como as crianças ricas crescem sem a presença dos pais, porém, nossas mães cuidam dos filhos deles. Aqui as crianças não usufruem de atividades esportivas e educativas em contra turno escolar, como já citado, não há creches, não há acesso à cultura através de teatro e cinema, somente acesso à cultura individualista e consumista pregada pela televisão.

Tal situação de risco e vulnerabilidade social, assim como a situação de rua, viabilizam a aproximação e logo o consumo de álcool, tabaco e outras drogas. O consumo das drogas atinge diferentes classes sociais, mas enriquece apenas uma, a mesma que possui acesso às clínicas de tratamento e a informação.


Para o grupo/artista a situação do aumento do uso do crack na zona central do DF e em suas cidades já pode ser considerada grave?

Qualquer situação já é grave. Se o Crack e outras drogas fossem apenas de uso das periferias, possivelmente não haveria tal “repressão”, divulgação e “preocupação”. A falta de fiscalização nas fronteiras, sobretudo, a falta de combate à corrupção (leia-se desvio de recurso do SUS e SUAS e educação) é mais grave.

A omissão e estagnação do governo brasiliense e nacional são graves. Até então só foram discussões e pouca prática em relação ao combate ao crack, tratamento de dependentes e fortalecimento social, econômico e afetivo junto às famílias.


Qual a opinião do grupo/artista, sobre as denúncias de supostas torturas, abusos psicológicos e sexuais cometidos por PM´S do DF à usuários de crack da Zona Central de Brasília? Crianças e adolescentes supostamente espancados no “quartinho da tortura” na Rodoviária do Plano Piloto e amarradas pelas mãos e pés, sendo jogadas da Ponte JK?

Eu poderia citar que enquanto não houver um bom preparo da Polícia Militar estas situações vão se repetir, porém não cometerei tal erro, pois este é o dever dela: higienização social e controle popular.

Não dá para esperar tratamento diferente enquanto não ocuparmos espaços nos Conselhos Comunitários de Segurança, por exemplo. Enquanto não conhecermos nossos direitos, não conseguiremos defende-los. Aí temos um papel chave – enquanto Hip Hop. Somos comunicadores e comunicadoras, devemos dialogar com os agentes de segurança e políticos, propor alternativas, e, sobretudo voltar à base: ser povo.

Mas a respeito do ocorrido, é necessário que haja investigação e punição exemplar dos envolvidos e envolvidas. São denúncias gravíssimas que não podem ficar apenas nas gavetas da corregedoria.


Qual a opinião do grupo/artista, sobre a história do médico Marcelo dos Santos Clemente, que largou a profissão para morar na Crackolandia dedicando-se ao tratamento dos usuários de crack, e que subitamente morreu aos 27 anos?

O jovem Dr. Marcelo deixa uma mensagem importantíssima: a humanização do atendimento aos usuários crack. Seu envolvimento e doação à Crackolandia também são referencias a nós. Hoje criminalizamos e demonizamos aqueles que se encontram nestas condições. A história dele deve ser conhecida, debatida e sobretudo vivida!


O Rap pode ser um instrumento de conscientização, um alerta a esses jovens usuários ou em situação de miséria que são mais vulneráveis ao uso do crack?


Não só pode como tem que ser. Mas deixo claro que nada valerá lutarmos tão somente contra o crack se em nossas canções continuarmos citando o álcool e o cigarro, como padrão de alegria.

Estes matam e viola muito mais que o crack. Precisamos, assim como qualquer tema, estudo e aprofundamento antes de falarmos ou cantarmos. A elite brasileira tem consciência que nos privando de acesso a informação nos manipulará e dominará sem esforços, cabe a nós lutarmos contra tal opressão.


O grupo/artista exerce alguma atividade ou projeto visando o combate ao crack?

Desde meados de 2005/2006 desenvolvo oficinas e palestras em escolas públicas no Distrito Federal e entorno, onde abordo o consumo de álcool e tabaco e a criminalização da juventude e periferia. Lançamos músicas, informativos e recentemente um vídeo de animação destinado a crianças, intitulado “Viúvo”. O mesmo será distribuído gratuitamente as escolas públicas de Samambaia. Além disto, desde dezembro de 2009 atuo como Conselheiro Tutelar na cidade Estrutural, onde atuamos diretamente com famílias, crianças e adolescentes em tal situação.

Mensagem aos jovens do DF e entorno, fãs, famílias e usuários de crack, de conscientização e motivação, para o não uso da droga.

Assim como nos palcos proponho que combatamos a omissão e negligência tão presente em nós; peço a você que está lendo está matéria, que conhecendo criança ou adolescente em situação de drogadição procure um Conselho Tutelar em sua cidade, um CRAS ou CREAS. Indique a família aos AA – Alcoólicos Anônimos e NA – Narcóticos Anônimos. Estes espaços orientam as famílias e comunidade como lidar com a situação.

“Quantas, quantos?
Que nesta noite adentraram seus lares e ao invés de trazer alegria, fartura, bênçãos,
trarão somente a tristeza, pranto, sofrimento.

Quantas, quantos?
Nesta noite serão encontrados aos pedaços dentro carros devido o acidente provocado pela embriaguez
Quantos nesta noite provarão o álcool pela primeira vez?”

#Aborígine - Pretérito Imperfeito


Fica ainda o convite a nos assumirmos como livres. NÃO PRECISAMOS DE TRAGOS E DOSES, ESTES NÃO TRAZEM ALEGRIAS, APENAS ALGEMAS. Estou cansado de ver amigos de infância morrendo de overdose, outros morrendo após acidente de trânsito devido a embriaguez. Chega! Temos exemplos suficientes para nos distanciarmos, não basta?





*Recentemento o blog DuRap-DF, um dos maiores do genero em Brasília produziu matéria sobre o Crack nas periferias e centro de Brasília, realizando entrevista coletiva com artistas, produtores e escritora ligada ao Movimento Hip Hop de Brasília e do país.

A matéria 'O Crack por nós' teve participação de Japão-Viela 17, Jéssica Balbino, MC Ahoto, Insituto Caminho das Artes, Daher-Guind'art e dentre os convidados o MC Markão Aborígine.

Leia a matéria na íntegra: http://www.durapdf.blogspot.com.br/2012/05/o-crack-por-nos.html#comment-form

2 comentários:

Unknown disse...

Sou ex-uauário de crack e estou limpo a 3 anos e 3 meses. Abri um site a um mês www.vidanovasemdrogas.com.br gostei muito da entrevista e gostaria de publicar no meu site posso?

Markão Aborígine disse...

Olá companheiro. Perdão pela demora em responde-lo. Fique a vontade,.